quarta-feira, 25 de agosto de 2010

A vida e vida pós-morte de Júlia Pastrana


Júlia Pastrana era uma índia mexicana nada comum. Era também conhecida como "mulher-macaco" por ter o rosto coberto por pêlos, gengivas e lábios protuberantes, dentes pontiagudos, enfim, por sua aparência simiesca. Descoberta por um empresário começou a fazer apresentações em que dançava e cantava, inicialmente nos Estados Unidos e, posteriormente, na Europa. 

A história que se conhece é que seu empresário, Theodore Lent, casou-se com ela por medo que um dia ela aceitasse uma das diversas propostas de casamentos que recebia e desse fim ao seu negócio. Júlia engravidou de Lent, mas, o filho, com o mesmo problema genético da mãe, não sobreviveu, e dias após o parto, ela também faleceu. Seus corpos foram vendidos pelo marido para uma universidade, posteriormente mumificados, e depois recuperados por Lent, que enxergou uma nova possibilidade de lucro com a exposição das múmias.

Lent expôs as múmias até encontrar uma mulher com o mesmo problema genético de Júlia, então, obviamente, casou-se com ela. As múmias foram alugadas para um museu. No dia em que Lent foi finalmente internado em um sanatório, Zenora não perdeu tempo e buscou os corpos mumificados para usá-los como acessórios na sua apresentação. Algum tempo depois, passou as múmias para frente, que viajaram muito nas mãos de diversos donos.
Já em tempos recentes, sofreram atos de vandalismo em uma ocasião em que estavam ociosas em um armazém, e só Júlia saiu inteira. Por fim, ela foi levada para um instituto, que em 1994 sugeriu que fosse enterrada. A Igreja e os pesquisadores, porém, decidiram conservá-la para o caso de pesquisas futuras. Hoje permanece sob proteção do governo Norueguês.

Vítima do grande show de monstruosidades que se deu no século XIX, Júlia Pastrana era “só mais uma” das anormalidades corporais que eram expostas como verdadeiros espetáculos. O mundo se via fascinado pelo anormal, pelo grotesco. Lutas de animais ferozes já não eram suficientes para entreter a platéia. As pessoas, paradoxalmente, sentiam mais gozo na repulsa e no horror.

A função social que esses freak shows desempenhavam era, além da diversão e distração, a da legitimação da norma. Essas apresentações teratológicas embasbacavam e transportavam o espectador para um universo novo, o da anormalidade, do monstruoso, da transgressão das leis da natureza. Mas o sucesso desse tipo de entretenimento repousa no tempo que sucede o choque, quando o espectador voltava as atenções para o seu mundo e se via tranqüilizado pela sua normalidade. Toda a angústia de ver no monstro uma projeção do que a natureza poderia ter feito com ele, depois culminava em um alívio de sua situação real, e, consequentemente, numa explosão de risos. Ali suas tensões eram automaticamente apaziguadas.

Júlia Pastrana produto de uma época em que o voyeurismo, a curiosidade e o tédio elevaram o comércio dos monstros à categoria de indústria do entretenimento. E seu corpo já morto, vítima de uma época em que os estudos científicos eram elevados à categoria máxima de respeito. Tudo se justifica pelo bem estar da evolução da medicina. E aí fica a dúvida, até que ponto essa suposta curiosidade científica não é só uma máscara para a mesma curiosidade mórbida que fez do comércio de monstruosidades um grande sucesso?

Consuelo Lopes

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